quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ODORICO: QUATRO DÉCADAS DO MAIS AMADO

O personagem mais famoso de Paulo Gracindo
Nunca o Brasil foi tão bem representado na televisão. Hoje, a estreia da novela "O Bem Amado" (TV Globo) completa 40 anos. Uma das mais lembradas obras do dramaturgo Dias Gomes.

Inspirada na peça "Odorico, o Bem Amado ou Os Mistérios do Amor e da Morte" (1962), escrita pelo mesmo novelista e censurada pelo regime militar, a trama global das 22h era ambientada na fictícia Sucupira. Esse município baiano refletia a nação brasileira que os militares queriam esconder.

O folhetim fugiu da estrutura clássica, cuja história principal é o amor impossível de um jovem casal. Seu protagonista era o prefeito da cidade do litoral da Bahia, Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo). Demagogo, populista e corrupto, o político amado pela população chegou ao poder prometendo a construção de um cemitério. Os moradores de Sucupira tinham que enterrar seus mortos no município vizinho.

Ao tomar posse e cumprir sua principal meta de campanha, começa a espera do prefeito pelo primeiro defunto que vai inaugurar a obra. Mas ninguém na cidade morre, nem mesmo um suicida famoso no local topou estrear sua cova. Para não perder a popularidade entre seus eleitores, Odorico resolve contratar o matador Zeca Diabo (Lima Duarte) para dar fim à vida de alguém. O problema é que o assassino redimiu-se, e não comete mais crimes.

Os tipos de Sucupira

As Cajazeira: solteironas e "moralistas"
Não podemos esquecer de figuras antológicas desta novela, como o puxa-saco oficial e secretário do prefeito, Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz), as irmãs Cajazeira Doroteia (Ida Gomes), Dulcineia (Dorinha Durval) e Judiceia (Dirce Migliaccio), o pescador Zelão das Asas (Milton Gonçalves) empenhado em construir suas próprias asas para voar, o jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella) que fazia oposição ao prefeito em seu jornal "A Trombeta", e muitos outros.

Odorico era mulherengo, e todas as noites aparecia na casa das solteironas Cajazeira para tomar um famoso "licor de Jenipapo". As irmãs, defensoras públicas da moral e dos bons costumes da cidade, não resistiam às investidas do assanhado político.

O secretário colecionador de borboletas
Mesmo em tempos de censura, Dias Gomes sempre criticou a política brasileira, e nunca deixou de falar em atualidades. Durante a exibição de "O Bem Amado", explodiu na imprensa mundial o caso Watergate, um esquema de espionagem que derrubou o então presidente dos EUA, Richard Nixon. O prefeito baiano também protagonizou caso semelhante, o "Sucupiragate". Paraguaçu foi acusado de instalar microfones ocultos no confessionário da igreja para descobrir as intimidades dos moradores da cidade. A armação foi denunciada por Dirceu Borboleta, que colhendo as confissões descobriu que Odorico era o verdadeiro pai de seu filho com Dulcineia, sua esposa.

O "inauguramento" do cemitério

O figurino de Zeca foi criado
pelo ator
O brilhantismo de Paulo Gracindo não se resume apenas a "dar corpo" ao personagem. São de sua autoria alguns dos eufemismos, neologismos e outras barbaridades gramaticais, ditas pelo prefeito falastrão: "Pra frentemente, pra trasmente", "deverasmente", "a imprensa escrita, falada e televisada", e o clássico "botando de lado os entretantos e partindo pros finalmentes".

Quem inaugura o cemitério é o próprio Odorico, já no final da trama, assassinado por Zeca Diabo. O matador descobre que foi ele o responsável por uma falsa acusação que o levou para a cadeia. "O Bem Amado", além de ser a primeira novela colorida da TV brasileira, também marca o começo da exportação de novelas para outros países. Até então, apenas os textos eram vendidos para emissoras estrangeiras. O folhetim de Dias Gomes foi exibido em quase toda a América Latina, Estados Unidos e Portugal. Foram 30 países que acompanharam o dia a dia de Sucupira.

Curiosidades:

  • Tecnologia nova para os técnicos da Globo, os profissionais enfrentaram diversos problemas com as câmeras em cores. Em certa cena, Ida Gomes teve que maquiar suas pernas muito brancas, para não "saturar" a imagem. Emiliano Queiroz não pode usar seus óculos, devido ao reflexo de suas lentes. Os cenários, figurinos e até mesmo cabelos de alguns atores, abusavam dos tons mais fortes, mas havia certo contraste com cores mais suaves;
  • As gravações externas eram realizadas em Sepetiba, zona oeste do Rio. Os atores eram levados de ônibus do Jardim Botânico, onde fica a sede da emissora, até a locação. Lá foi alugada uma casa que servia de camarim para o elenco;
  • A trilha sonora nacional da trama foi composta especialmente para a novela, por Toquinho e Vinicius de Moraes. O tema de abertura original era "Paiol de Pólvora", mas foi proibido pelos militares por causa do verso "Estamos sentados em um paiol de pólvora".
  • Comunista declarado, Dias Gomes era considerado subversivo pela ditadura da época, portanto uma "carta marcada" pela Censura Federal. A história de Odorico Paraguaçu teve 37 dos seus 178 capítulos proibidos de ir ao ar na íntegra. As palavras "coronel" e "capitão" foram cortadas. Em reportagem ao UOL, o doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela USP, Mauro Alencar, contou que o capítulo 115, por exemplo, teve 14 páginas inteiramente censuradas. Um capítulo de novela tem aproximadamente entre 22 e 32 páginas;
  • A emissora realizou um compacto da novela em 1977, para ganhar tempo, já que "Despedida de Casado", de Walter Jorge Durst, foi vetada pelos militares. Entre 1980 e 1984, "O Bem Amado" voltou à telinha da Globo como uma série. Para isso, foi necessário que Odorico ressuscitasse do descanso eterno;
  • Em 2010, Sucupira foi para a telona, com Marco Nanini na pele do inesquecível prefeito e José Wilker como o matador arrependido. No ano passado, a Globo Marcas lançou um box com 10 DVDs, contendo quase 36 horas remasterizadas da novela de 1973, além de extras com entrevistas exclusivas.
Vamos conferir uma cena de um dos famosos e inflamados discursos de Odorico, e a abertura da novela. Fontes: Memória Globo, Guia Ilustrado TV Globo e UOL. Agradecimentos: Emanunes, Lucio Enrique e TV Globo.



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