Mais uma vez a novela brasileira cumpre um importante papel ao provocar debates de interesse público na sociedade. "Fina Estampa", trama das nove de Aguinaldo Silva na TV Globo, vem conquistando excelentes índices de audiência, não apenas pela história principal entre Griselda (Lília Cabral) e Teresa Cristina (Cristiane Torloni). Em muitos momentos, esse fio condutor não deixa nada a desejar, se comparado às tramas latinas que eram importadas pelo SBT, nas décadas de 1980 e 1990. A questão da guarda da pequena Victória, embora sendo um drama paralelo, poderia ser uma história principal tranquilamente, e talvez com tão grande sucesso.
Para você que não está acompanhando o folhetim, entenda o caso: Esther (Júlia Lemmertz) sonha em ser mãe, mas seu marido Paulo (Dan Stulbach) é estéril e não quer ter filhos. Ela recorre a clínica de fertilização de Danielle (Renata Sorrah), uma importante médica e estudiosa do assunto, inclusive com carreira premiada internacionalmente. A doutora realiza a fecundação entre um espermatozóide de seu irmão falecido Guilherme (Isio Ghelman) e o óvulo de sua última namorada, Bia (Monique Alfradique). A secretária de Danielle, Glória (Mônica Carvalho) descobre tudo, e pressiona a especialista a revelar toda a história.
O enredo levanta questões interessantes sobre ética médica e a legislação brasileira sobre casos de fertilização in vitro. É claro que a personagem de Renata Sorrah provavelmente será banida da comunidade científica, além de ser proibida de exercer suas atividades clínicas. Mas e quanto ao bebê? Quem tem o direito de se proclamar mãe da pequena Victória? Bia, ao doar o óvulo espontaneamente, assinou um termo no qual abria mão de qualquer direito sobre a criança nascida a partir desta fecundação. Mas Danielle jamais poderia usar células de alguém tão próxima a ela, muito menos com ligações afetivas tão estreitas. Sem contar que o sigilo garantido pela empresa da cientista foi rompido.
Não é a primeira vez que a Globo discute em suas novelas a ética médica. Dois grandes sucessos da teledramaturgia brasileira também levantaram esse debate nacional. Em 1990, Glória Perez escreveu "Barriga de Aluguel", onde Ana (Cássia Kiss) e Zeca (Vitor Fasano) pagam para Clara (Cláudia Abreu) gerar o filho deles em seu ventre. O médico Molina (Mário Lago), especialista em reprodução humana, topou o desafio. Há 22 anos atrás, isso era novo e polêmico. O drama começou mesmo quando a mãe de aluguel se apegou a criança e reivindicou a guarda. Como a trama pode ser revista pelo canal pago Viva, não vou ser chato e contar o final da história.
Onze anos depois, Glória Perez resolve debater novamente a manipulação da fertilização e da genética em "O Clone". Dr. Albieri (Juca de Oliveira) resolve clonar Lucas (Murilo Benício), sem comunicar ninguém, como uma forma de trazer de volta seu irmão gêmeo Diogo, morto em um desastre de helicóptero. O médico, e também pesquisador, queria ser o primeiro a realizar com sucesso a pioneira manipulação. O embrião foi recebido por Deusa (Adriana Lessa), sem saber da experiência genética que carregava. O garoto nasceu e foi batizado de Léo, também interpretado por Benício. A confusão começa quando amigos em comum veem o clone, e quando acontece o inevitável encontro entre Lucas e sua cópia. Deusa e Leônidas (Reginaldo Faria), o pai de Lucas e Diogo, brigam na justiça por Léo. A juíza Ana Maria Scarpezini reconheceu os dois como pais do clone, que no fim desapareceu nos lençóis maranhenses ao lado de seu "pai", o cientista que o criou. Curiosidade: o dr. Molina, novamente vivido por Mário Lago, reaparece nesta novela, numa participação especial, como um grande amigo de Albieri.
Não é possível saber como vai acabar o caso de Esther e Bia, já que, assim como em "Barriga de Aluguel" e "O Clone", não existe no Brasil uma lei que preveja situação semelhante. Tudo vai depender da interpretação do juiz que assessora o autor Aguinaldo Silva. Na minha opinião, esta trama é mais interessante do que saber com quem a Griselda vai ficar no final, ou qual o destino da vilã Teresa Cristina. Seu desfecho pode levar a criação de leis que protejam ainda mais os casais que sonham em ser pais, de situações como esta apresentada na novela, por enquanto ficcional, mas que pode se tornar real.
Para matar a saudade, fica a abertura da novela "Barriga de Aluguel", sucesso exibido às 18h, comentada pelo seu criador Hans Donner. A trilha "Aguenta Coração" ficou famosa na voz de José Augusto.
Agradecimentos: rmrosa80 e TV Globo
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