quarta-feira, 21 de abril de 2010

A LOUCA INVESTIDA DE BLOCH: A TV MANCHETE


Neste ano, se viva fosse, a Rede Manchete de Televisão completaria 27 anos. Essa emissora não sai do coração e da lembrança daqueles que acompanharam os seus 16 anos no ar.

A Manchete nasceu da divisão da pioneira Rede Tupi, em 1980. A cadeia de televisão foi dividida em duas. A outra rede virou o SBT, que entrou no ar no mesmo ano da assinatura do contrato, em 1981. Adolpho Bloch, dono da revista Manchete, não tinha pressa em inaugurar sua TV, nem experiência. Mas tinha dinheiro, e estava disposto a investir. Os lemas da emissora eram "A TV do ano 2000" e "TV de primeira classe". De fato a realidade acontecia dessa forma: dos equipamentos até a programação, o canal era de primeira linha!

O prédio sede ficava na Glória, bairro nobre do Rio de Janeiro. O projeto foi assinado por Oscar Niemayer. Coisa fina! A estrutura montada para a Manchete era pra deixar a concorrência babando. Eram as mais modernas câmeras, ampla redação para o jornalismo, e um departamento exclusivo e futurista para a criação de suas vinhetas. Chic, não é? A vinheta do M sobrevoando varios pontos do país, que ficou no ar durante toda a existência da emissora dos Bloch, foi criada neste setor.

A TV ficou pronta dois anos depois do canal de Silvio Santos, em 5 de junho 1983, dia da estréia. Um domingo inesquecível, muito esperado e anunciado pela imprensa. A Rede Manchete entrou no ar com afiliadas em São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e a TV Pampa no Rio Grande do Sul.

Mas o nosso assunto é loucura, e isso não faltou na história da emissora. Uma das primeiras atende pelo nome de Xuxa. Na época ela era conhecida pelos "filmes" que fez, seu trabalho como modelo fotográfico e por ser a namorada de Pelé. Nunca havia segurado um microfone na vida. A sexy simbol foi convidada para comandar uma atração infantil, o Clube da Criança, já com roupas que fariam o biquini de bolinha amarelinha ser muito comportado! Como televisão não é uma ciência exata, deu no que deu!

Também apostou na audiência garantida com programas eruditos, como concertos de música clássica. Mas já nos primeiros anos, desistiu da insana idéia ao ver o baixo IBOPE e a alta dívida que já possuía antes de completar 5 anos de vida. Foi investindo em programas populares que a Manchete conheceu o sucesso. As novelas, com orçamentos astronômicos, histórias grandiosas, são marcos da teledramaturgia brasileira. Kananga do Japão, Amazônia (a primeira novela produzida por kilômetro rodado, já que tinha como cenário o Brasil gigante por natureza), Tocaia Grande, Xica da Silva ("Xica qué sê Sinhá!!!), e claro Pantanal, que abalou a então inabalável audiência global, e foi reprisada quase como Chaves, nos anos seguintes. O jornalismo da emissora fez escola, já que seu forte era a transmissão ao vivo. Se acontecesse algo muito importante, a Manchete parava a programação e cobria o fato o dia inteiro, se fosse preciso . O principal noticiário da casa, o Jornal da Manchete, chegou a ter três edições diárias, com uma hora cada!!! Na mesma época, o Jornal Nacional, na Globo, tinha apenas 30 minutos. Que diferença!

Mas a grande marca era a transmissão do carnaval do Rio de Janeiro! A TV Manchete dava show na cobertura. Experiência herdada da irmã impressa, a revista Manchete, e de Fatos e Fotos, outra publicação da Bloch Editores. Porém o que se via na telinha era uma overdose carnavalesca! A programação parava para as folias de Momo de 31 de dezembro até 28 de fevereiro, isso se a festa não caísse em março!

Eu tenho um carinho especial pela programação infantil do canal. Já que os desenhos animados da Disney, da Warner e Hanna-Barbera estavam na Globo e no SBT, a Manchete investiu em séries japonesas. Ponto para os Bloch!!! Quem viveu aquela época se lembra com saudades de Jaspion, Changeman, Flashman, Black Kamen Rider, Jiraya, Spielvan, Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon e outros. Foram manhãs e tardes que fizeram muitas crianças felizes. Há quem diga que não se fazem programas ou desenhos como aqueles, mas é difícil afirmar sem o sentimento e o pertencimento àquela época.

No final de sua vida, o que se via na Manchete era a programação alugada para o inesquecível Grupo Imagem, aquele do (011) 1406, das meias Vivarina, das facas Ginsu, mas isso é outra loucura...

A Rede Manchete encerrou suas atividades em 1999, afundada em uma dívida estimada em US$ 300 milhões. No seu lugar entrou a RedeTV! Mas seus fãs não deixaram a história morrer e criam sites que contam a trajetória da Manchete, além de vários vídeos postados no Youtube. Falando em vídeos, fica o protesto pela falta de cuidado com o acervo da emissora, que está se perdendo desde a lacração do prédio da Gloria, no início dos anos 2000. As fitas, com imagens históricas como a estréia de Xuxa, Angélica ou Taís Araújo, em Xica da Silva, estão se deteriorando por causa da ação do tempo e dos fungos, já que não há climatização adequada. Uma loucura para a memória da TV. Apenas as novelas reprisadas pelo SBT e Band foram restauradas. O restante do arquivo está entregue ao mofo.

A Manchete, apesar das decisões erradas, é mais um exemplo de que loucura muitas vezes é confundida com ousadia e inovação. E só não se destaca quem não ousa, quem não cria.

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